
Esboço Dela
Julgar um produto pela embalagem é, quase sempre, garantia de equívoco. Em alguns casos, porém, a parte, de fato, representa o todo. É assim com “Esboço dela”, EP autoral de estreia de Brolo Gonzalez: a capa/contracapa de estética clean, que joga com fios vermelhos em fundo branco, traduz exatamente o que o artista faz com sua música – extrai a beleza da simplicidade.
As quatro faixas são, em essência, histórias de amor (exitosas ou fracassadas) contadas a partir de fatos e elementos cotidianos. A primeira delas, “Menina do cabelo avermelhado”, lembra as cantigas de amor. Em vez da idealização e do sofrimento exagerados do trovadorismo, a canção, no entanto, apresenta uma atmosfera lúdica e singela. O eu lírico do artista entrega seu coração à amada juntamente com a oferta de mimos simples, quase infantis, como fitas e balões. Apesar da doçura e da singeleza, a melodia é rica em dinâmica. Começa mansinha e linear, quase falada, e cresce a partir do refrão, com a introdução de instrumentos em profusão.
Na sequência, “Assim” lembra bastante a faixa anterior, sobretudo pela referência a balões e fitas. O amor que canta e conta, porém, é efêmero. A amada, como diz o refrão, “prefere colocar aspas no lugar da certeza” e foge “sem dar pista aonde irá pousar”. Forte e fácil, esse refrão, aliás, torna a canção extremamente radiofônica.
Já minha conhecida e preferida, “Esboço dela” representa uma ruptura iniciada na faixa anterior. Se a menina do cabelo avermelhado protagoniza uma história de amor que deu certo, a dona do esboço definitivamente é convidada para fora da vida do poeta. A letra é incisiva (“se não me quer, por favor, saia daqui”); o refrão, também fácil e forte (“esqueça o meu telefone/ não lembre mais o meu nome”). Já a melodia tem uma desejável pegada rock, cuja inserção de instrumentos mais pesados valoriza a canção em relação à primeira versão que ouvi, em voz e violão. Talvez fosse melhor dizer que a sofistica, já que ambas as leituras proporcionam ótimas (e diversas) sensações. Mais uma música que tocaria facilmente no rádio.
A tônica da simplicidade é relativizada com “Sobre egos inflados e corações vazios”, profunda e instigante como o seu título. A letra é complexa, mas em virtude da densidade contida em situações (novamente) cotidianas: um homem que reflete deitado numa rede, fumaça que sobe e abaixa, luzes que piscam, o ronco do motor... Enfim, um amor que suscita dúvidas e dores. Sonoramente, arranjo e melodia são os mais elaborados do disco. A introdução de diferentes instrumentos em distintos momentos da canção garante uma dinâmica atraente e, consequentemente, um conjunto de interessantes experiências auditivas.
As referências musicais de Brolo Gonzalez estão presentes em cada faixa, satisfatoriamente acomodadas em sua diversidade. A tarefa não parece difícil para o catarinense radicado no interior paulista, que traz consigo influências nordestinas (inclusive no sotaque, ele garante, com o toque cearense próprio de quem viveu alguns bons anos em Fortaleza).
A recorrência de laços, balões e fitas e o convite a entrar na dança, em “Menina do cabelo avermelhado”, remetem às cantigas de roda por terem algo de folclórico, de regional. Algo como o regionalismo universal de Lenine, de quem o artista é fã declarado. Já a menção a um ambiente natural e bucólico, com direito a raiar do sol, em “Assim”, lembra o reggae, ritmo apreciado por Brolo. Percebe-se ainda a sagacidade de Moska na letra de “Esboço dela” e a sonoridade dos Paralamas dos anos 80, em “Sobre egos inflados e corações vazios”.
Autêntica, a mistura revela a já sólida e definível identidade musical do jovem cantor e compositor. Ao mesmo tempo em que tudo é simples, nada parece óbvio. Quem ouve o EP do artista é levado a questionar: “a garota do cabelo avermelhado existe? É dela aquele esboço? Qual o significado dos (reiterados) laços, balões e fitas para Brolo Gonzalez”? O álbum é como o artista, que, tal qual a figura feminina de “Assim”, tem um quê de mistério. Atrai porque se mostra fluido, escapável.